O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos, disse ontem, dia 6, na Ponta do Sol, que “a história dos Judeus em Cabo Verde confunde-se com boa parte da história da nossa Nação”.
Jorge Santos, que falava durante a cerimónia de re-dedicação dos cemitérios judaicos da Ponta do Sol e da Penha de França, recentemente requalificados, explicou que muitos dos judeus que chegaram a Cabo Verde no século XIX “deram origem a muitas das nossas famílias” e acredita que todos os presentes na cerimónia têm “uma costelinha ou uma gota de sangue também desta grande nação”.
“Os judeus chegaram a Cabo Verde com os seus ensinamentos, com a sua ciência e conhecimentos milenares e dedicaram-se, não só ao comércio como a vários outros ramos da economia destas ilhas”, disse Jorge Santos, referindo-se igualmente à importância de algumas famílias, descendentes de judeus, conhecidas no concelho da Ribeira Grande, que partilharam o saber que detinham a favor da comunidade.
Jorge Santos referiu-se à grandiosidade do gesto do rei Mohammed VI, de Marrocos, que financiou a recuperação desses cemitérios, destacando o trabalho desenvolvido pelo monarca marroquino na implementação da multireligiosidade, concluindo que “podemos, sim, viver num mundo cada um com a sua religião mas respeitando-se mutuamente”.
A presidente do projeto de conservação da herança judaica em Cabo Verde (Cape Verde Jewish Heritage Project), Carol Castiel, disse na ocasião que “os descendentes dos judeus sepultados nesses cemitérios foram a inspiração” para a criação da Cape Verde Jewish Heritage Project e para a implementação dos projetos de restauro.
A Inforpress apurou que a restauração dos cemitérios judaicos “não tem nada de mórbido”.
Conforme explicou o rabino-chefe da comunidade judaica de Lisboa, Natan Peres, o cemitério, na tradição judaica, é definido por uma expressão hebraica cuja tradução para o português significa “o sítio da vida”.
Isso porque, continua Natan Peres, “o legado dos que estão aqui sepultados não são algo que faz parte da nossa história, mas sim da nossa identidade e também do nosso futuro” daí que, para o rabino-chefe da comunidade judaica de Lisboa, seja “importante focar neste projeto, não só como algo de memória do passado, mas que seja o início de muitos projetos e de cooperação para o futuro”.
A recuperação dos cemitérios judaicos da ilha de Santo Antão resultou de uma parceria entre a Câmara Municipal de Ribeira Grande e o Cape Verde Jewish Heritage Project, dirigida pela jornalista americana Carol Castiel, que contou com “uma generosa doação de Sua Majestade o Rei Mohammed VI, do Marrocos”.
Esses cemitérios são testemunhos da presença dos judeus sefarditas na ilha de Santo Antão e a recuperação foi promovida por Carol Castiel, mentora do projeto de conservação da herança judaica em Cabo Verde e neles estão sepultados judeus de origem Marroquina que, em meados do século XIX, vieram para Cabo Verde, então colónia portuguesa.
Apontamentos históricos inscritos nas placas de bronze hoje descerradas nesses cemitérios indicam que a abolição da Inquisição (1821) permitiu o regresso de judeus a territórios portugueses em busca de liberdade religiosa e de oportunidades comerciais, facilitado por um tratado de comércio entre a Grã-Bretanha e Portugal, e aproveitando as intensas trocas comerciais já existentes entre judeus do Norte do Marrocos e o território britânico vizinho de Gibraltar.
Com o tempo, muitos judeus marroquinos estabeleceram-se em Gibraltar e alguns, posteriormente, fixaram-se em Cabo Verde em meados do século XIX, viajando com passaportes britânicos, e instalaram-se, sobretudo, nas ilhas de Santo Antão, São Vicente, Boa Vista e Santiago, onde se dedicaram, principalmente, ao comércio internacional.
As inscrições em hebraico e em português, nos túmulos, em várias ilhas do arquipélago, indicam que a maioria destes judeus era oriunda das cidades de Tânger, Tetuão, Mogador (atual Essaouira) e Rabat, e tinha apelidos sefarditas como Anahory, Auday, Azencot, Benoliel, Benrós, Benathar, Benchimol, Brigham (Ohayon), Benaim, Cohen, Levy, Maman, Pinto, Seruya e Wahnon.
De acordo com a placa explicativa, em bronze, afixada no cemitério da Penha de França, os judeus prosperaram em Cabo Verde, alguns foram importantes pilares da economia local mas, sendo a maioria homens, muitos se casaram com mulheres católicas autóctones e, por causa dessa assimilação gradual, não existem hoje em Cabo Verde judeus praticantes.
Apesar disso, continua a explicação inserta nessa placa, os descendentes dessas famílias falam com orgulho dos seus antepassados judaicos e honram a sua memória, preservando estes e outros cemitérios, que o Governo de Cabo Verde classificou como Património Histórico e Cultural Nacional, em junho de 2017.
Fonte: sapo.cv